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EDUCAÇÃO

Projeto de educação domiciliar divide opiniões no Sul Fluminense

Professores, pedagogos e pais de alunos explicam o que consideram pontos positivos e negativos.

Publicado em 27/04/2019 às 22:00

Principais dúvidas recaem sobre papel da interação com outras crianças em ambiente escolar (Foto: Divulgação)

Enquanto os debates sobre a Reforma da Previdência dominam o noticiário de uma maneira geral, outra proposta do governo federal mexe com uma parcela significativa da população. Também com muita polêmica, o projeto de Educação Domiciliar foi assinado pela presidência da República no último dia 11 de abril e divide opiniões entre pais e educadores no Sul Fluminense.

Na opinião do professor Helder Montenegro, que coordena um centro de estudos de aula particular e acompanhamento multidisciplinar na Vila Santa Cecília, a educação domiciliar não deveria ser considerada uma opção para o momento.

"Por outro lado, acredito que a educação domiciliar pode dar certo no Brasil em um momento futuro. Após colhermos o fruto de um período no qual a Educação será vista com o seu devido valor. Ainda esperamos que as escolas consigam investir em formação continuada e de qualidade para os seus professores. E também que pais e a comunidade atuem dentro do seu papel de educar e transformar. Aí sim, vamos ter a base necessária para uma educação domiciliar", opina.

Para o professor, a educação domiciliar oferece vantagens, como proporcionar mais tempo de interação em família e um aprendizado pautado dentro dos princípios religiosos particulares de cada família. Por outro lado, diz ele, a educação em casa não vai oferecer o mesmo conteúdo e a mesma diversidade de uma instituição escolar. Ele aponta que o estudante na escola regular é beneficiado pelo âmbito social, cognitivo, emocional e motor. “Estes estímulos tornam-se exponenciais para a sua formação social”, explicou.

Por outro lado, o professor Élcio Tomaz de Souza, que leciona no Colégio Estadual Presidente Roosevelt, acredita que o projeto de lei assinado pelo presidente Jair Bolsonaro é mais uma estratégia do novo governo de inovar a prática da aquisição de conteúdos curriculares em ritmo domiciliar. O professor afirma não enxergar problemas com a nova metodologia, desde que chegue com um acompanhamento pedagógico e “muita disciplina” frente ao cumprimento das tarefas e avaliações.

"O maior problema que vejo é privar a criança de ter o convívio social com outras crianças", diz.

O professor destaca, no entanto, que as crianças poderão ter outras formas de interação, inclusive cada vez mais pelas redes sociais. Dentro deste contexto, ele opina que há até mesmo uma estratégia de governo do presidente, que tem sua base construída a partir dos trabalhos na internet. “Acredito que para uma boa parte da elite brasileira isso (ensino domiciliar) vai ser possível”, opina.

Falta de interação preocupa

A diretora pedagógica de uma escola particular no bairro Aterrado, Ana Júlia Cury, afirma que já conhece a prática da educação domiciliar. Segundo ela, essa técnica já é empregada em algumas situações especiais, como por familiares que vivem rotina de viagens ou moram em áreas rurais, onde não existam escolas.

"Mas o que mais me preocupa de um aluno fora da instituição escolar é a falta de um convívio deste aluno com outros colegas. Não é só a falta de conhecimento em si, mas a construção de conhecimento, que ocorre dentro de uma sala da aula, que não será oferecida aos alunos do ensino domiciliar. Este conhecimento é possibilitado na interação entre as pessoas", opina.

A relações públicas Lídia do Nascimento Andrade, que tem uma filha no quinto ano do ensino fundamental, acredita que em alguns casos a educação domiciliar pode até ser uma boa opção, apesar de afirmar ter pouco conhecimento do assunto.

"Acho que por um lado esta metodologia de ensino pode ser útil, mas também tem suas limitações. Acredito que as crianças precisam conviver com outras crianças, ter contato com coisas novas e também precisam da figura do professor. Conheço uma amiga de minha irmã que optou por este método porque mora num sítio em São José dos Campos e até ajudou a dar aulas aos filhos do caseiro, e parece que está dando certo para ela. Mas eu não teria estrutura para aplicar este método junto à minhas filhas e penso que não é legal colocar os filhos numa redoma de vidro", destaca.

Principais dúvidas recaem sobre papel da interação com outras crianças em ambiente escolar

O que o MEC diz sobre a proposta

A educação domiciliar é uma modalidade de ensino em que pais ou tutores responsáveis assumem o papel de professores dos filhos. Assim, o processo de aprendizagem dessas crianças é feito fora de uma escola. O projeto de lei assinado nesta quinta-feira altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.

A medida pretende trazer os requisitos mínimos que os pais ou responsáveis legais deverão cumprir para exercer esta opção, como explica Pedro Hollanda, secretário adjunto da Secretaria Nacional da Família, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

O fenômeno homeschooling, ou seja, o da educação domiciliar, é realidade no Brasil. Há famílias que optam por educar seus filhos em casa; no entanto, não há lei que estabeleça quais são as diretrizes básicas para que esse direito seja exercido”, destaca. “A principal motivação do projeto de lei é estabelecer um marco legal para a educação domiciliar, regular o exercício desse direito, visando assegurar a educação da criança e do adolescente. É mais uma possibilidade de ensino, tendo como premissa a pluralidade pedagógica”.

Ainda segundo Hollanda, dois mecanismos do texto merecem ser destacados, os que versam sobre o cadastro das crianças no Ministério da Educação e o processo de avaliação. “As famílias terão de fazer um cadastro via plataforma, na internet, na qual elas vão inserir uma série de informações relativas à criança, como idade, vínculo com a criança, certidão criminal, plano pedagógico individual, caderneta de vacinação atualizada, enfim, documentos que já estão previstos no texto da lei e que visam dar mais segurança para a sociedade como um todo”, pontua o secretário. “Em relação às avaliações, elas vão ocorrer anualmente com possibilidade de recuperação, já a partir de 2020. É uma avaliação que ocorre como no ambiente escolar, ou seja, desde o segundo ano do ensino fundamental até o último ano do ensino médio. É o princípio da isonomia entre o estudante da escola e aquele que aprende com a educação domiciliar.”

Para Pedro Hollanda, o projeto de lei também visa dar segurança jurídica às famílias que optam pela educação domiciliar. “Hoje, muitos pais que optam por esse tipo de aprendizado são denunciados e o Conselho Tutelar e o Ministério Público atuam juntos nessa questão. Essas famílias, inclusive, são condenadas judicialmente a matricular seus filhos na escola. O termo é justamente esse, pois as famílias são ‘condenadas a matricular os filhos em até tantos dias’, caso contrário, elas correm o risco de, por exemplo, perder a guarda da criança”, ressalta.

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