Há
quase sete meses, “Marielle vive” se tornou palavra de ordem pelas ruas do Rio
de Janeiro. Agora, a palavra também ganha o Parlamento estadual. Vindas de
comunidades da periferia da zona norte da capital fluminense, três assessoras
diretas da vereadora, assassinada em março, assumirão em 2019 mandatos na
Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Eleitas no último domingo,
07de outubro de 2018, Renata Souza, Dani Monteiro e Mônica Francisco farão
parte da bancada do PSOL e prometem dar prosseguimento ao trabalho de defesa
dos direitos humanos.
Se
Marielle não tivesse sido executada, talvez nenhuma das três teria se
candidatado. Elas contam que já tinham pensado em se candidatar no futuro, mas
o projeto foi antecipado com a morte de Marielle Franco. “Era uma coisa pensada
talvez para o horizonte de 2020, com uma construção gradual, como tem que ser.
A execução da Marielle precipita esse processo”, conta Mônica Franciso.
Segundo
Renata Souza, Marielle sempre trabalhou para que outras mulheres negras
ocupassem mandatos no Legislativo. “Nossa resposta [ao crime] não foi recuar.
Fomos ousadas e desafiamos o pragmatismo político, que diz que só pode vir no
máximo uma mulher negra por vez. E nós dissemos não, dessa vez vão três. E
trabalhamos para que todas três fossem eleitas”, diz a candidata mais votada da
bancada do PSOL, com 63.937 votos.
As
eleitas prometem mandatos com foco em medidas que contribuam para superar as
desigualdades sociais e promover políticas públicas em comunidades da
periferia. “A favela é historicamente o lugar da política pública ineficaz,
precária, descontinuada. A militante do movimento de favela luta pelo direito à
água, pelo saneamento, pela habitação, pela saúde, pela educação. São os
problemas que queremos enfrentar”, diz Mônica Francisco, que obteve 40.631
votos.
Renata
Souza destaca que o deputado não trabalha só para aprovar leis. Segundo ela, é
essencial fiscalizar o Executivo e o cumprimento da legislação e, nesse
sentido, se diz disposta a acompanhar a atuação das forças de segurança na
periferia. Um dos objetivos é o fim das operações policiais perto de escolas em
horários de entrada e saída de estudantes. Renata defende protocolos de ação
que determinem, por exemplo, locais onde não devem ocorrer confrontos e que
estabeleçam a garantia de ajuda humanitária.
“Nós
não temos formas de fazer com que a população possa se refugiar em um lugar
seguro. Alunos ficaram 20 dias sem aula no Complexo da Maré. Se isso se repete
ao longo dos 12 anos, que é o tempo que o estudante leva até concluir o ensino
médio, ele terá perdido um ano de aulas. E isso é gravíssimo. É o Estado
impedindo que esse aluno chegue na escola”, lamenta.
Na
visão de Dani Monteiro, que conquistou 27.982 votos, as candidaturas
também devem contribuir para uma revisão do passado do país, de forma a
perceber a necessidade de reparação, já que “a abolição da escravatura não
constituiu direitos e não houve inclusão das pessoas que até então as via como
inferiores”.
Para
levar adiante as propostas, as três precisarão lidar com parlamentares com pensamentos
bem diferentes. O PSL, partido do presidenciável Jair Bolsonaro, conquistou a
maior bancada e terá 13 deputados estaduais a partir do próximo ano. O
mais votado deles é Rodrigo Amorim, que provocou polêmica ao posar para uma
foto em Petrópolis (RJ) destruindo uma homenagem à vereadora Marielle Franco.
Com
36 anos, Renata Souza é jornalista, pesquisadora em comunicação e militarização
e professora de pré-vestibular comunitário no Complexo da Maré. Já Mônica
Francisco, nascida há 48 anos no Morro do Borel, é socióloga e pastora
evangélica. Moradora do bairro de Higienópolis, Dani Monteiro é a mais nova do
trio. Aos 27 anos, ela é estudante cotista de ciências sociais na Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e carrega em sua
história a conquista de ter integrado a primeira geração de sua
família a chegar à universidade.
“O
que nós queremos vai além de promover espaços de resistência. É proporcionar a
formação para que essas mulheres negras possam se tornar especialistas. E daí
poder vê-las debatendo saúde, debatendo educação, debatendo segurança
pública.”, diz Dani Monteiro, que conquistou 27.982 votos.
Para
Mônica Francisco, a eleição delas também se colocou como necessidade diante do
atual cenário, quando “o Brasil revela sua incapacidade para passar sua
história a limpo, permitindo assim uma instabilidade democrática”. “Como a
história é cíclica, nós podemos viver situações que nós achamos que não
viveríamos mais. E isso tem a ver com o fato de que nós não conseguimos falar
abertamente sobre a ditadura militar. Chegamos em 2018, com 130 anos de uma
abolição da escravatura inconclusa, em que a gente não discute o racismo que
cimentou as relações sociais no país”.
As
serão responsáveis por fazer com que a Alerj tenha a maior quantidade de mulheres
negras de sua história. Serão seis, enquanto atualmente há apenas duas. Ao
mesmo tempo, o trio contribuirá para ampliar no próximo ano a representação
feminina de uma forma geral – que saltará de oito parlamentares para 11 – e
também a representação negra – que sai de 12 para 22. A casa legislativa tem ao
todo 70 deputados estaduais.
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As informações são da Agência Brasil, por Léo Rodrigues com colaboração
de Akemi Nitahara