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Com histórico de corrupção, Angra 3 segue sem previsão de entrega: obra começou em 1984

Segundo Eletronuclear, usina está 61,5% concluída e segue paralisada, aguardando uma decisão favorável do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).

Publicado em 24/06/2017 às 07:00

Uma obra iniciada há mais de 30 anos e sem previsão de término. Essa é a realidade da usina nuclear de Angra 3, que começou a ser construída em 1984. Crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas na execução do projeto são investigados em uma operação que é um desdobramento da Lava Jato – e que já resultou na prisão de um ex-presidente de Eletronuclear.

A construção de Angra 3 foi interrompida pela primeira vez dois anos depois de início das obras, quando o país atravessava uma crise econômica que afetou a área de infraestrutura e implicou na desaceleração dos investimentos no setor.

Retomada em 2010, com a concretagem do reator, a obra foi novamente interrompida em 2015, quando o governo federal esbarrou na falta de dinheiro para terminar o projeto.

De acordo com a Eletronuclear, as obras estão 61,5% concluídas, mas seguem paralisadas aguardando uma decisão do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). A nova previsão é que a construção termine em 2022, caso seja retomada até o início do segundo semestre de 2018.

O valor inicial, projetado na retomada das obras em 2010, era de R$ 10 bilhões, com previsão de que 70% dos gastos fossem efetuados no país. Atualmente, conforme publicado no relatório financeiro divulgado pela Eletrobrás, o valor previsto de Angra 3 chega a R$ 26 bilhões, incluídos custos diretos e indiretos. Deste valor, cerca de R$ 8,4 bilhões já foram gastos.

Quando em funcionamento, Angra 3 produzirá mais de 10 milhões de megawatts por ano, energia suficiente para abastecer cidades como Brasília e Belo Horizonte. De acordo com a Eletronuclear, as centrais nucleares Angra 1 e 2 são responsáveis por gerar 30% da energia consumida no Rio de Janeiro.

Ex-presidente condenado

Em julho de 2015, a Operação Radioatividade, um desdobramento da Lava Jato, trouxe à tona crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas nas obras de Angra 3.

Segundo as investigações, Othon Luiz Pinheiro da Silva, ex-presidente da Eletronuclear, cobrou propina em contratos com as empreiteiras Engevix e Andrade Gutierrez. Ele acabou condenado pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, a 43 anos de prisão.

Em fevereiro deste ano, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) negou um pedido de Othon para que a sua prisão preventiva fosse revogada ou trocada por medida menos grave, como a prisão domiciliar. O habeas corpus foi negado pela 1ª Turma, por dois votos a um, acompanhando o parecer do Ministério Público Federal (MPF).

O Tribunal seguiu também avaliação da Procuradoria Regional da República da 2ª Região (PRR2) de que a prisão de Othon permanece necessária para a defesa da ordem pública e da instrução do processo.

Delações da Odebrecht

Em abril, o ex-executivo da Odebrecht Henrique Pessoa afirmou em depoimento ao Ministério Público Federal que a empreiteira contratou a sobrinha do presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), ministro Raimundo Carreiro, como contrapartida à resolução de um processo judicial sobre as obras da usina de Angra 3 (confira aos vídeos das delações abaixo).

Em nota, o ministro Raimundo Carreiro afirmou que, "além de prestar todos os esclarecimentos, desde 2015 ofereceu à Polícia Federal, de forma antecipada, a quebra de seus sigilos fiscal, bancário e telemático, em um termo devidamente formalizado, no intuito de colaborar para o esclarecimento da verdade e comprovar a total falta de fundamento de denúncias que envolvem seu nome".

De acordo com o delator, a licitação que foi vencida pelo consórcio do qual a Odebrecht participava em Angra 3 foi judicializada e levada ao TCU pelo consórcio perdedor. Depois de algum tempo sem que o processo tivesse um desfecho, Henrique Pessoa afirmou que o representante da UTC no consórcio, Antonio Carlos Miranda, relatou em uma reunião entre as empresas que "tinha um caminho pra resolver o problema".

"Ele não disse [qual era o caminho]. Ele disse que seria através da contratação de um advogado. [...] 'Eu tenho um caminho' e isso resolveu. E depois, ele disse 'olha, aquela contratação que eu falei pra vocês, que era o caminho pra resolver o problema que estava parado no TCU, está certo, isso vai ter um custo. O custo de R$ 1 milhão", disse Pessoa.

Segundo o ex-executivo da Odebrecht, posteriormente ele ficou sabendo que o advogado contratado para resolver o caso era Tiago Cedraz, filho do ministro do TCU Aroldo Cedraz, e que o relator do caso no TCU era Raimundo Carreiro, atual presidente do tribunal.

Raimundo Carreiro e Tiago Cedraz já eram investigados no STF antes das delações da Odebrecht por suspeita de receberem dinheiro para facilitar a obra de Angra 3. Com base na delação do presidente da UTC, Ricardo Pessoa, que disse que deu R$ 1 milhão para Tiago repassar para Raimundo Carreiro – Henrique Pessoa, da Odebrecht, confirmou o valor relatado pelo presidente da UTC.

"Esse R$ 1 milhão, nós achamos alto, todo mundo achou alto, reclamou, mas como ele tinha sido resolvido, todo mundo aceitou e isso seria reembolsado depois à UTC", explicou.

Além do valor, que, de acordo com Pessoa, foi pago pela UTC, outra contrapartida pela resolução do processo no TCU era que uma das empresas integrantes do consórcio em Angra 3 contratasse a sobrinha do ministro Raimundo Carreiro.

Segundo o delator, o pedido foi levado às empreiteiras por Antonio Carlos Miranda. Ele disse ainda que acredita que a contratação seria uma solicitação de Tiago Cedraz.

"Não sei dizer [se ela tinha alguma relação com Tiago Cedraz]. Não, não sei. Então ele colocou que tinha esse pedido de contratação. Em um primeiro momento, todo mundo não tinha onde colocar, coisa e tal. Mas ele insistiu e terminamos, nós, porque tínhamos uma obra próxima da casa dela – se não me engano, ela morava no Campo Grande, no Rio de Janeiro e nós tínhamos uma obra próxima – e ela acabou sendo fichada por nós, a Odebrecht", explicou.

Ainda de acordo com a delação de Henrique Pessoa, o senador Edison Lobão (PMDB) teria pedido R$ 1 milhão da Odebrecht para interferir a favor da empresa nas obras de Angra 3. A petição enviada pelo relator da Lava-Jato no Supremo, Edson Fachin, não informa se o valor foi pago.

Através de nota da assessoria de comunicação, a empresa informou que "a Odebrecht entende que é de responsabilidade da Justiça a avaliação de relatos específicos feitos pelos seus executivos e ex-executivos. A empresa está colaborando com a Justiça no Brasil e nos países em que atua. Já reconheceu os seus erros, pediu desculpas públicas, assinou um Acordo de Leniência com as autoridades brasileiras e da Suíça e com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, e está comprometida a combater e não tolerar a corrupção em quaisquer de suas formas".

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